“Tem gente que vira lembrança. Tem gente que vira passado. Tem gente que se vira para estar do seu lado”, escreveu um sábio escritor que se chama Antônio (@eumechamoantonio, no Instagram).
E é a respeito desse tipo fantástico de gente – que dá um jeito de estar ao nosso lado mesmo em dias de tempestade, trânsito infindável e manifestação da Paulista – que eu falarei nesta coluna.
Mas antes de escrever a respeito deles, dos fodões que criam escadas e que destroem muros para chegarem até nós, eu gostaria que você prestasse muita atenção no diálogo abaixo:
– E aí, tudo bom?
– Tô ótima e você?
– Também, Má! Precisamos marcar de tomar umas.
– Também acho!
– Vamos ver se conseguimos na semana que vem?
– Vamos sim.
– Fechado.
– Fechado.
– Tô ótima e você?
– Também, Má! Precisamos marcar de tomar umas.
– Também acho!
– Vamos ver se conseguimos na semana que vem?
– Vamos sim.
– Fechado.
– Fechado.
E aí, além de incompleto, soa familiar? Eu sei que sim, minha cara, e aposto que o seu WhatsApp está cheio de conversas como essa, que começam como se as partes estivessem verdadeiramente decididas a gerar um encontro, mas que, no final das contas, por falta de iniciativa concreta, ou seja, de sugestões de data, dia, hora e lugar, acabam sem levar à nada, nem a um cafezinho curto.
Como sei disso? Porque eu – assim como você – diversas vezes já permiti que a preguiça aparentemente mortal e o cansaço gerado pela rotina incômoda da megalópole dominassem o meu ser e me fizessem aceitar ser cúmplice de papos mentirosos como o que eu citei acima, incitados e construídos com o objetivo de manter as nossas consciências limpas.
Consciências limpas SIM, irmã, pois manter esses rotineiros, breves e superficiais contatos – nos quais fingimos interesse em marcar um encontro, mas que nada de objetivo propomos para que isso ocorra – é uma atitude que utilizamos para não nos sentirmos ainda mais ausentes do que já estamos, um placebo que engolimos semanalmente para que sejamos capazes de suportar a dolorosa verdade: somos assustadoramente individualistas, a ponto de trocarmos, por duas horas de sono, um encontro com uma amiga de longa data.
É duro ler isso, não é? Para mim também é, acredite. Mais doloroso ainda é assumir que começamos a acreditar – ou será que começamos a nos enganar? – que papos virtuais, quinzenais e extremamente rasos são suficientes para mantermos elevada a chama de uma relação. Pois não são. Eles, no máximo, não nos deixam ser esquecidos ou dados como mortos. Nada além.
As formas de contato virtuais e rasas (WhatsApp, Facebook e afins) que – de acordo com a minha opinião, ok? – deveriam apenas quebrar um galho quando uma forma de contato físico e profundo não é possível, definitivamente, estão ganhando o papel principal, e fazendo com que bilhões de pessoas se esqueçam do quão essencial para as amizades é o tapinha nas costas, o cheiro de gente, o abraço apertado, o brinde sonoro e outras coisas que, por enquanto, só rolam fora de telinhas e quando existe proximidade física.
É claro que é mais cômodo e prático dar um “alô” pelo WhatsApp. É óbvio, também, que um papo via Facebook é muito mais fácil de ser marcado e realizado, principalmente em cidades gigantes e caóticas como São Paulo, nas quais o deslocamento está a cada dia mais difícil e demorado. Mas precisamos parar de crer que esses tipos de contato sem profundidade são suficientes para que usufruamos, de fato, do que as relações podem nos oferecer de melhor. Pois não são, repito.
Você precisará ter em mente que se quiser alimentar uma amizade – não apenas com migalhas que nada nutrem! -, também precisará lutar contra o seu individualismo. E precisará ter a ciência de que em prol da realização de encontros reais você terá que deixar zonas de conforto, abrir mão de horas de sono, gastar mais dinheiro do que estava planejando e enfrentar engarrafamentos infinitos. Faz parte.
Pare de se enganar e acreditar que é uma boa amiga porque, todo dia, manda um “Tudo bem?” por WhatsApp”. Isso tão inútil quando marcar presença sem assistir à aula. Saca? É autoenganação.
“Mas ela, assim como eu, também não faz esforço algum para que um encontro ocorra!”, você me dirá, tentando arrumar uma justificativa para o tempão que não a vê de perto e fora do celular. Mas essa sua lógica de filha mimada que sempre tenta se livrar da culpa para mim não funciona, não cola, não serve. Porque os ciclos viciosos, para serem quebrados, geralmente precisam de um ser virtuoso – e capaz de enxergar que devolver ignorâncias, na mesma moeda, é a maior das idiotices. Entende o que eu quero dizer? Em outras palavras, pessoas fodas como as descritas na primeira frase deste texto não esperam uma atitude positiva para, só então, tomar outra. Eles simplesmente agem, fazem acontecer, criam pontes para a perpetuação e estreitamento de laços. Está me entendendo?
Você precisa ser melhor – e não IGUAL! – do que aquela sua amiga que raramente toma uma iniciativa para estar com você. E como fazer isso? Quando ela não ligar, ao invés de também não ligar e, consequentemente, contribuir para que nada entre vocês aconteça, pegue a porra do telefone e faça um convite irrecusável! E se ela disser que o bar que você escolheu é longe, proponha um boteco bem próximo ao apê dela; ou diga que levará as cervejas até o quarto do qual ela diz não querer sair. Entende o ponto? Se o outro não se virar, vire-se. Alguém precisa quebrar a inércia, certo? E quando a sua amiga disser algo como “Vamos marcar de tomar umas na semana que vem?”, responda logo com alguma sugestão de plano concreta: “Ótimo! Que tal na quinta, às 20h00, naquele bar no qual a porção de provolone é deliciosa?”. E se ela disser “Na quinta eu não posso”, não desista e mande logo um “Então na terça? Ou prefere na sexta?”. E se ela continuar a negar e a dar desculpinhas esfarrapadas, você precisará ser corajosa e mandar a real, por mais ardida que a real possa parecer: “Eu quero encontrar com você, mas você nunca pode. Está mesmo a fim de me encontrar?”.
Não sei você, minha cara, mas minha principal meta para 2015 é reclamar menos da falta de iniciativa dos meus amigos e tomar mais iniciativas para que eles fiquem sem motivos para reclamar da ausência da minha presença física. Como eu farei isso? Responderei 100% dos “Vamos tomar umas?” com duas sugestões de dia, hora e local. Simples assim. E só aceitarei que recusem os meus convites em caso de Ebola, ménage com gêmeas suecas ou abdução.
Obs: o título deste texto foi inspirado na frase “Por uma vida com menos ‘estou com saudades’ e mais ‘desce que tô te esperando’”, escrita por um autor que eu, infelizmente, desconheço.
Ricardo Coiro