“Porque, há muito, eu erro a mão. A dose. Esqueço a receita do
equilíbrio. O quanto uso das partes que brigam dentro de mim. Há muito, eu me
confundo. Porque metade não tem medo e levanta os braços, na descida da
montanha-russa. Olhos abertos, enquanto outra acha melhor enfrentar a queda com
as mãos na barra. Segurando forte. Espremendo os dois olhos, fechados, desde o
começo do percurso. Metade prefere brincar na beira da praia. No raso. Enquanto
outra não vê problemas em pular dezenas de ondas e nadar onde a pequena
bandeira vermelha, agitada pelo vento, avisa sobre o risco. Sobre o possível
afogamento. Porque, há muito, eu erro a receita do equilíbrio. Uso a parte que
não deveria na hora em que não poderia. Me confundo com as metades que brigam
dentro de mim. Porque parte acelera na estrada, no momento da curva fechada. Pé
direito até o fim, enquanto outra freia, bruscamente, ao ver a primeira placa.
Seta torta, avisando sobre o perigo. Metade não suporta a burrice, a pequenez,
a lerdeza. Outra, sempre calada, tolera a banalidade. Engole a ignorância. Convive
com a mediocridade. Há muito, eu erro a mão. A dose. Me confundo com o que devo
usar. Porque metade briga. Explode. Dedo apontado na cara, enquanto outra se
recolhe, quieta, debaixo da cama. No quarto fechado. No tudo escuro. Metade
berra. Outra sussurra. Tenho uma parte que acredita em finais felizes. Em beijo
antes dos créditos, enquanto outra acha que só se ama errado. Tenho uma metade
que mente, trai, engana. Outra que só conhece a verdade. Uma parte que precisa
de calor, carinho, pés com pés. Outra que sobrevive sozinha. Metade
auto-suficiente. Mas, há muito, eu erro a mão. A dose. Esqueço a receita do
equilíbrio. Me perco. Há dias em que uso a metade que não poderia. Dias em que
me arrependo de ter usado a que não gostaria. Porque elas brigam dentro de mim,
as metades. Há algumas mais fortes. Outras ferozes. Há partes quase indomáveis.
Metades que me fazem sofrer nessa luta diária. Não deixar que uma mate a outra.”
Eduardo Baszczyn
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