18 novembro, 2012

Atos falhos.




Acho que te devo um pedido de desculpas. É que nem eu mesmo gosto muito de mim, e fico meio assustado quando alguém me diz que consegue isso. É que você parecia minha amiga, só minha amiga. Você fala como uma amiga. Me cumprimenta como amiga. Me telefona e me convida para cinemas como uma amiga. Seu riso é de amiga. O seu abraço é de amiga. Mas eu devia ter desconfiado, seus cabelos sempre tiveram cheiro de namorada. Existe algo errado numa amizade quando o resto do mundo parece chato e nós os únicos legais.

Mas, conhecer você e ser seu parceiro de pipoca foi bom. Bom como ler uma letra bonita sem poder escutar a incrível música por trás dela. Como planejar um final de semana na praia e ter dois pneus furados no meio da estrada. Descobrir uma ruazinha bonita no seu bairro e ser estuprado nela. Você é a chuva no meu piquenique. Você é o show do Weezer que não consigo ver porque sou muito baixo. Você é a deliciosa torta de chocolate e limão que para comer eu preciso estar presente no aniversário de 70 anos da minha tia Rosalina. Sou Jennifer Aniston tentando converter um gay em "A Razão do Meu Afeto". Você é minha pipa enrolada nos fios de alta-tensão. Você é meu peixe novo que morreu na primeira semana. Você é o irmão gêmeo malvado que eu descobri a existência. Você é o game "The Beatles: Rock Band" para XBox que custa quase dois mil dinheiros. Você é como uma baleia em extinção querendo viver na minha piscina de mil litros. É como se eu finalmente aprendesse a voar e você fosse a Kriptonita. Eu sou o país independente que você não deixa em paz. Você é o braço que eu quebrei tentando catar as goiabas do vô Agenor. Você é o Barcelona vs Real Madrid que não passa na minha tevê. Sou Midas louco pra te beijar a boca sabendo que tudo que ponho a mão vira ouro. É como abrir minha lata de refrigerante e descobrir um camondongo morto boiando dentro. É como criar coragem pra subir no palco cantar "Love Will Tear Us Apart" e lá de cima enxergar você no guichê, pagando pra ir embora.

Sei que andei falando coisas sem pensar. Me esforcei pra deixar quieto, ficar de boca calada, não fazer merda. Quase deu certo. Você sabe, sou meio blá. Olha, sei que andei falhando todas essas vezes, nos últimos meses. Em minha defesa, não era bem eu. Só estava tentando ser uma outra coisa, sei lá, algo que pudesse merecer você. Como eu poderia adivinhar que alguém como você gos
taria de mim, assim desse jeito atrapalhado que eu sou? Vamos ser sinceros, pra conquistar você tinha de ser de rali. Contando só a arrancada eu não teria a menor chance.

Um dia, eu sei, você vai entender os meus motivos. E talvez eu os entenda também. Você estava meio etílica, mas sei que foi honesta, pelo menos na hora em que disse aqueles troços. Não sei o nome disso que estamos sentindo um pelo outro e também não me importa. Pode ser o ápice ou o precipício, e tudo bem. E também não sei se teremos habilidade para cultivar isso por três semanas ou por três décadas inteiras. Só sei que agora estou interessado em saber como será o próximo passo.

Gabito Nunes

1000 dias com ele.



Uma vez me falaram que amar é se jogar de um precipício sem saber se lá embaixo vai ter alguém para segurar a gente. Foi a melhor definição de amor que já ouvi. Eu, que escrevo tanto e leio tanta gente que fala dessas coisas que damos o nome de sentimento, nunca tinha escutado nada tão verdadeiro. Amar é isso mesmo. É se jogar e não saber. É se entregar sem ter certeza. Aos poucos, buscamos a certeza do amor. Porque o amor para ser amor precisa de certezas. A certeza do encontro, a certeza da continuidade, a certeza da presença, a certeza da verdade.
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Demorei muito para me permitir. Me distraí durante muito tempo com paixões que não duravam mais que a lua minguante. Por algum tempo vivi uma relação extremamente conturbada e complicada. Na verdade, não sei se posso chamar de "relação". Era alguma coisa sem nome. Aquilo não me deixava em paz, me fazia mais mal do que bem, mas de alguma maneira eu continuava. Não entendo, a gente se boicota tanto. Sabemos que queremos e merecemos mais, mas continuamos insistindo em coisas sem sentido. Punição? Talvez. A gente demora para se permitir ser feliz. Deve ser por isso que as pessoas ficam tateando no escuro durante muito tempo até encontrarem a tal pessoa certa. Não sei se existe a pessoa certa, sei que existe uma pessoa certa para você. Essa pessoa, por mais errada que seja, é aquela que te dá vontade de continuar. Continuar lutando, vivendo, acordando, sorrindo. Tem gente que nos dá essa vontade, aquela vontade de ser melhor para a gente mesmo e para quem nos rodeia. Mas eu não queria, não me permitia, achava que daquele jeito estava bom.
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Às vezes, não sou legal comigo, você não é legal com você. Cegos, não conseguimos enxergar. Confusos, não sabemos o que fazer. Covardes, não nos damos uma chance. Carentes, nos agarramos na primeira oportunidade. A carência nos tira a visão. A falta de visão nos emburrece. E assim vamos vivendo um dia após o outro, com um vazio que nunca sai de dentro e um olhar que procura e nunca acha.
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Todo mundo tem que amar alguém um dia. Não tem como definir, é uma coisa muito louca e real. Um dia, com o coração cansado, decidi que só queria coisas boas. Sem migalhas, sem mentiras, sem máscaras. Para amar a gente tem que se despir de todos os artifícios. Então, resolvi ser mais amiga de mim. Aproveitar a minha companhia, me curtir, só procurar o que me fazia bem. Foi aí que, sem querer querendo, a gente apareceu um na vida do outro. Me deu um medo, um medo. Você sabe, eu sei. Queria fugir, sair correndo, desistir. Tentei de todas as formas (até bem pouco tempo atrás) encontrar motivos, fiapinhos do passado e farpas imaginárias para provar que não daria certo. Mais uma vez eu insisto: ser feliz dá medo e é muita responsabilidade. Fora o fato da gente não se sentir merecedor. Fora o fato de pensar meu-deus-tá-tudo-bem-tudo-perfeito-na-minha-vida-é-certo-que-vou-descobrir-um-câncer. A gente sempre pensa besteira por achar que não merece aquilo tudo.
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Foi tudo em vão. Dia após dia o mundo, Deus, a vida, as coincidências, o destino ou sei lá, chame como você quiser, me mostraram que, sim, a gente tem um amor bonito e de verdade. Que já passou por turbulências, furacões, que de vez em quando recebe tempestades e trovões, mas que sempre dá um jeito de deixar o céu azul e o sol brilhando. Porque a gente gosta do tempo bom. A gente tem uma história que é só nossa, um amor que é só nosso, uma vida que é só nossa, uma família que é só nossa. Tudo nosso. E com você eu descobri que sempre posso ir mais além. Você me mostra umas partes que eu não conhecia. Me mostra uma força que eu não sabia que tinha. Um jeito maduro e ao mesmo tempo infantil de continuar vendo a vida. Me desarma com tanto bom humor. Me mostra coisas que não sabia. Me puxa para a realidade, pois nem só de sonho se vive. Existe uma troca bonita e, hoje, mais madura. É que já faz mil dias, amor. Mil dias que a gente se encontrou e nunca mais saiu de perto um do outro. Mil dias que ouvi o que você disse e me atirei do precipício. Ainda bem que a gente se jogou. Ainda bem que você esperou por mim. E eu por você.

Clarissa Corrêa

17 novembro, 2012

Desgraça pouca é bobagem.




Não sei direito se acredito mesmo em olho gordo. É claro que forças do mal existem, assim como gente com baixa vibração e energia ruim. Acho que a gente atrai certas coisas e pessoas, é por isso que volta e meia é importante dar aquela faxinada no coração, nas relações e na mente.

Minha vida sempre foi meio gangorra, montanha-russa, congestionamento. Em alguns momentos a coisa se aquieta, sossega. E daqui a pouco o negócio todo recomeça com tudo. Não sei direito se eu procuro os problemas, o que sei é que pego muito fácil energia de lugares e pessoas. E nem sempre essas energias são do bem. Infelizmente, ainda não aprendi a me proteger. 

Ando em uma maré de azar (será?) impressionante. Já tomei banho de sal grosso, mas acho que não resolveu muito. Vou começar a mastigar o tal sal pra ver se potencializa o efeito protetor. Saí por uns dias de férias, para relaxar, descansar e curtir um lugar bonito com meu marido. Na mala, filtro solar, biquínis, livros e a promessa de sossego. Estava tudo perfeito até o dia em que fizemos um passeio até a Ilha Saona, onde foi filmado o clássico "Lagoa Azul" (quem não lembra da linda Brooke Shields na Sessão da Tarde?). Na hora de descer da lancha torci o pé. Doeu tanto que segurei o choro, sabe como é, também tinham crianças no passeio, eu não podia fazer feio. Fiquei forte, curti a praia, voltamos para o hotel só no final do dia. Na volta, um trecho de lancha e outro de ônibus. Dentro do ônibus, o ar-condicionado estava a mil. E pra completar dormi com o cabelo molhado. Resultado: no outro dia acordei com dor de garganta e nariz entupido. Mesmo assim fui firme, forte, resfriada e manca para a piscina tomar drinks coloridinhos. Na hora de entrar na piscina, cataploft, caí de bunda, sentada. Comecei a rir loucamente. Desgraça pouca é bobagem, pensei. E de quebra ganhei um hematoma preto na nádega esquerda. Ainda bem que tenho uma senhora bunda, completei o pensamento. No outro dia, acordei bem mais manca, bem mais gripada, bem mais pobre (comprinhas, comprinhas, comprinhas!), bem mais gorda (comilança, comilança, comilança!). Mas eu estava feliz. Inexplicavelmente feliz. Então, me perguntei: será que nós atraímos as coisas para as nossas vidas ou tudo é acaso? Sinceramente, eu não sei. Eu estava tão em paz, tão de bem comigo, aproveitando cada segundo e no final da viagem a coisa começou a degringolar (quando voltei descobri que torci os ligamentos, o médico disse que foi muita sorte não ter rompido. Resultado: uma semana com pé e perna enfaixados). Não atraí nada disso (até onde sei). Não tenho nada de santa, nem a cara, mas não sou o tipo que faz mal pra alguém, pelo contrário, se posso fazer o bem eu faço com gosto e vontade. 

Na volta, sentei entre meu marido e uma mexicana. Viemos conversando sobre a economia, política, educação, saúde e segurança do México. Ela falava do país dela, eu do meu (até que meus ouvidos começaram a doer demais, depois que voltei descobri que ambos estavam inflamados). Em um determinado momento, a mexicana comentou que eles são super devotos da Nossa Senhora de Guadalupe. E pensei: me falta, às vezes, um pouco de fé. Eu acredito, sim, em Deus. Acho que é uma força superior, maior que tudo e todos. Mas não frequento a igreja, missa me dá sono. Quando eu viajo tenho o costume de visitar igrejas, mas não gosto daquele ritual todo da missa. Além disso, sempre me perco no "graças a Deus" e outros. No meio de tudo isso, começou uma turbulência danada. Em seguida, vácuo. Você sabe o que é isso? Uma espécie de montanha-russa aérea. O avião parece que vai cair. Aconteceu três vezes. Minha mão começou a suar e quando vi estava pedindo pelo amor de Deus pra Nossa Senhora de Guadalupe e todos os santos. Pensei que aquela seria a hora. E passou pela minha cabeça, muito rápido, o quanto sou grata. Pela vida que tenho, por quem carrego dentro do peito, por quem me dá amor, por quem eu amo. Nada, nada mais importa. O que vale é o amor, é ele que move o mundo, é ele que nos faz melhor. Conheci um casal no hotel em que estávamos. Ambos com 61 anos. Ele, emergente confesso, viveu uma vida de drogas, bebida e traição. E fez questão de deixar claro que o dinheiro vem antes de tudo. Olhei para aquele senhor com uma mistura de pena e raiva. Não, meu senhor, o dinheiro é consequência de suor, trabalho, luta. Nada é de graça. Dinheiro compra jóias, compra carros, compra casas, compra viagens, compra sapatos, compra bolsas, compra pessoas. Mas não compra um sorriso verdadeiro, um olhar sincero, um coração que bate muito rápido quando te vê, não compra um amor que dura até a velhice. Não, meu senhor, o dinheiro não vem antes de tudo. Nem de mim, nem de você. Dinheiro não compra caráter, índole, respeito. 

Quando passou o susto, agradeci mentalmente aos meus pais, por terem me ensinado três das coisas mais bonitas que sei: a amar com sinceridade, a entender que tudo na vida vem com trabalho árduo e a acreditar, principalmente, em mim. No voo seguinte, pegamos uma tempestade no ar. E eu resolvi fechar a janela. Às vezes, o melhor é a gente não ver. Só assim enxerga de verdade o que realmente importa nesta vida.

Clarissa Côrrea

12 novembro, 2012

Eu não sei lidar com isso, me perdoa.



Hoje eu só queria aliviar um pouco dessa culpa que me pesa os ombros. Não adianta, não importa o que a gente faça, sempre vai ter uma coisa incomodando, uma pedrinha dentro do sapato que machuca sem parar o dedinho da ponta. Eu não consigo, entende? Simplesmente eu não entendo o porquê disso tudo.

Podia ter acontecido com tanta gente, de tantas formas, mas foi acontecer com você. Logo com você. Eu, sinceramente, não entendo. Já senti raiva, tristeza, mais raiva e uma indignação. Depois passei a sentir culpa. Sei que devia fazer alguma coisa, mas não consigo. Por favor, me perdoa, mas eu não consigo te ver assim. Sei que é egoísmo da minha parte, mas aceito que não sou uma pessoa evoluída pra conseguir aceitar bem as coisas.

Ninguém entende a ligação que a gente sempre teve. Era tão bonito, tão puro, tão intenso, tão natural. É isso mesmo, natural. Sem forçar sorriso, sem forçar abraço, sem forçar beijo, sem forçar um amor só pra ficar interessante. Era simples, era beijo estalado, era abraço apertado, era olho no olho, era piada, era segredo, era bobagem, era conselho, era magia, era pureza.

Nunca mais a minha vida foi a mesma. Na verdade, nunca mais eu fui a mesma. Nem você. Nós mudamos. E isso me dói. Me dói tanto, mas tanto que o meu coração encolhe, fica pequeno, bem pequeno e eu não sei o que fazer com ele. Eu entendia tudo quando você sorria aquele sorriso que eu nunca mais vi. Meu Deus, como sinto falta de antigamente. Como sinto falta daquele tempo onde as coisas eram mais fáceis. Onde eu achava que tudo era eterno. Inclusive as pessoas.

Eu não quero ter pena de você. Não quero sentir tristeza por você. Não quero sentir uma revolta dentro do peito. Não quero mais procurar respostas. Não quero pensar em você e sentir uma lágrima quente descer pela bochecha. Não quero mais sentir saudade da sua voz. Mas eu sinto tudo isso. E isso me dói, me dói, me dói e eu poderia ficar falando me dói, me dói, me dói até o fim da vida.

Você sabe que te amo? Sabe mesmo? Por favor, diz que sim. Eu sei que você de alguma forma sente todas as boas vibrações que mando todos os dias. Eu penso em você sempre. Te mando beijo, te mando abraço, te mando carinho, te mando o meu melhor. Mas eu não sei lidar com isso, me perdoa. 

Clarissa Corrêa.

Você não sabe de nada.



Escrevo para você, que acha que tenho uma vida perfeita. Vem aqui, deixa eu te contar alguns segredos que talvez nem sejam tão secretos assim. Não sei por qual motivo a gente tem a sensação de que a grama do vizinho é mais verde, que a vida do outro é mais interessante, movimentada, feliz. Todo mundo tem lá suas glórias e deslizes.

Durante muito tempo tive um grave problema para aceitar quem eu era. Talvez fosse medo, covardia, insegurança. Talvez fosse um sentimento sem nome. Talvez fosse essa minha fome exagerada de viver. O fato é que minhas escolhas dizem quem eu sou. E hoje, com mais de 30, me sinto segura ao dizer que fiz certo o que muitos pensaram que era errado.

Eu já sofri muito com os desamores. Me apaixonei por pessoas erradas, me perdi de mim, culpei pessoas por uma infelicidade que morava no meu peito. Que bobagem, o que é nosso é nosso, é maldade jogar nas costas do outro uma coisa que te pertence.

Sofri bullying na escola quando era pequena. Meu rosto cheio de sardas eram motivo de piadinhas fora de hora. Depois eu superei. Perdi alguns amigos, fiz outros. No meio disso tudo descobri que mesmo o teu melhor amigo um dia vai te magoar e te deixar na mão. Faz parte da vida, do aprendizado e da construção da personalidade, afinal, a gente uma hora precisa entender que ninguém é perfeito.

Já me desentendi com familiares e depois de anos fiz as pazes. Já bati muito a porta do meu quarto, quando ainda morava com meus pais. Já briguei com meu pai por motivos fúteis. Já fiz mal criação, já fui mocoronga, já foram mocorongos comigo. E sobrevivi mesmo assim.

Gastei alguns dinheiros na sala do analista e descobri que faz bem e é bom. Mas também percebi que ninguém, ninguém mesmo, te salva. É você e você mesmo. E a gente precisa, sim, urgentemente aprender a conviver com todos os fantasmas que habitam nossa morada interna.

Já quis ser muitas coisas, hoje quero apenas ser quem eu sou e ainda assim me divertir. A vida é muito curta pra ficar de cara amarrada e arrumar problema em cada esquina. Quero mais é ser leve. E livre.

Aprendi que a vida fica bem mais colorida depois que a gente realiza um sonho. E que sonhos são muito, muito poderosos. Se a gente acredita e batalha, eles acabam acontecendo, por mais que demore anos.

Hoje posso dizer que me descubro cada vez mais. E agradeço por isso. A gente precisa se descobrir todo santo dia, de alguma forma, por outro ângulo. Acredito que tudo tem solução, sempre tem uma saída, sempre existe uma perspectiva. E acho que isso me dá força pra seguir em frente quando encontro algum obstáculo. Sei que nada vem de graça, mas acredito que ainda existe uma certa bondade nas pessoas, basta a gente procurar o melhor delas.

Não sou rica, mas vivo bem. Minha conta às vezes fica no vermelho, depois rosa, azul, verde. É um arco-íris. Já magoei e me magoaram. Já perdi quem era importante na minha vida. Já enfrentei doenças e tragédias na minha família. Já pensei que fosse morrer mais de uma vez. Luto diariamente contra uma Síndrome do Pânico e uma psoríase no couro cabeludo, mas entendo que certas coisas acontecem apenas para mostrar o quanto somos valentes. É por isso que não reclamo, aceito e entendo que um dia as coisas vão melhorar.

Demorei vinte e sete anos para encontrar e conhecer o amor. E percebi que ele chegou quando eu estava preparada, calma, serena, sem pressa, sem desespero, sem ânsia. Ele me mostrou que é poderoso e que dois são sempre mais fortes do que um.

Clarissa Corrêa

Coisa rara.



Meu Deus, como é difícil ter um bom amigo hoje em dia. Alguém que possa oferecer um colo e um afago na hora da tristeza e que consiga sorrir de verdade com a sua alegria. É que nem todo amigo é amigo o suficiente para dar pulos de felicidade com as coisas boas que chegam na sua vida. 

Não é fácil compartilhar o dia a dia, deixar as próprias frustrações e projeções de lado e ser limpo, honesto, puro. É muita coisa em jogo. Tem mágoa, tem inveja, tem os percalços da vida, tem suas desilusões, tem seus planos que mofaram dentro da gaveta. É por isso que digo com certo amargor na boca: nem todo mundo sabe ser amigo. 

Existe aquele tipo de gente que veste a máscara de amigo e só quer saber da sua vida. Quer sugar, ficar por dentro, mas não dá nada. Não compartilha, não divide, não sabe se doar. Não conta nada de si e quando você pergunta só diz que está tudo bem. Tem também o tipo que nunca tem problema, que a vida é sempre boa, sem tropeços e sem nada chato ou ruim. Estranho, não? A vida muitas vezes é bem chata e bem ruim e a gente não tem nada a fazer a não ser esperar. Porque tem coisa que foge do nosso alcance e temos que entender isso também. Nem tudo depende de mim, de você, do nosso esforço, do nosso suor. 

Tem também o tipo que, mesmo sem querer, não consegue ficar feliz por você. O máximo que diz é que legal, que bom, parabéns. Mas aquela felicidade que vem de dentro não dá as caras. Me pergunto: isso é ser amigo? Quantos amigos você tem? Não falo daquele companheiro de bar, aquele que ri das suas piadas, brinda com um copo de cerveja gelada. Quantos amigos você tem? Não falo daquele que é uma pessoa legal e divertida para trocar ideias e fazer fofoca. Quantos amigos você tem? Não falo daquele que sabe cada passo seu e oferece sempre o lenço de papel mais próximo. Quantos amigos você tem? Não falo daquele que está sempre junto nas festas. Quantos amigos você tem? Não falo daquele que sabe da sua vida apenas o que você quer que saiba. 

Quantas pessoas te conhecem de verdade? Pra quem você se abre? De quem você não tem medo? Que pessoa você tem certeza que quer o seu bem? Quem realmente não sente desconforto ao ver sua felicidade? Quem não ficou magoado por bobagem? Quem sabe reconhecer quando erra? Quem nunca te deixou na mão? Quem assume quando pisa na bola e pede desculpa? Com quem você discute, mas depois fica tudo bem? Quem entende o seu jeito? Quem aceita seus defeitos? Quem não fala mal de você para os outros amigos? Quem ajudaria você a pagar sua conta de luz, caso fosse necessário? Quem vibra com seu sucesso profissional? Quem deseja realmente toda felicidade do mundo no seu relacionamento? Quem? Por favor, me diga quantos, quantas. Quem valoriza o que você faz? Quem é grato pelo que você fez? A ingratidão em qualquer relação é coisa muito feia, principalmente em amizade. 

É bom a gente pensar de vez em quando sobre isso. Analisar as relações, as pessoas, rever as amizades. Agora você me responde ah, mas eu ligaria para a Camila às 4 da manhã se estivesse em apuros e tenho certeza que ela sairia de casa e me ajudaria. Eu não estou falando disso. Falo de algo mais profundo, que conecta as pessoas, que une e não separa por nenhuma força. Falo de um sentimento genuíno, de amor, de gratidão, de respeito, de carinho, de amizade. Muita gente fala que fulano é amigo, mas não sabe o significado disso. Ser amigo é chorar o teu choro e rir, com o coração, o teu riso. E isso é coisa rara hoje em dia.

Clarissa Corrêa

03 novembro, 2012

Encontro


No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo delicioso de se sentir que escorregava de dentro da gente e se esparramava no sorriso. Escapulia no olhar. Cantava no silêncio. Fazia florescer pés de sol no tempo encantado em que estávamos juntos. Dispensava nomes e entendimentos. Havia algo que tinha um cheiro inconfundível de alegria. De vida abraçada. De chuva quando beija a aridez. De lua quando é cheia e o céu diz estrelas. Um cheiro da paz risonha do encontro que é bom.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo maravilhoso para ser dado e recebido, daqueles presentes que a vida embrulha com os seus papéis mais bonitos e entrega, toda contente, para duas pessoas. Havia algo para ser trocado, e troca é quando duas vidas se sentem olhadas ao mesmo tempo. Havia algo que fazia um coração falar com o outro, ouvir o que era dito, gostar do que era dito, rir com o que era dito, sentir-se espelhado, sentir-se enternecido, querer brincar, muito além do que qualquer palavra, por qualquer motivo, por qualquer defesa, tentasse, em vão, esclarecer. Uma vontade de parar todos os relógios do mundo para eternizar a dádiva da presença compartilhada, e a impressão de que às vezes até conseguíamos.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo que escapava, ileso, dos artifícios todos, todos tolos, que a razão arranjava para não deixar o amor fluir com a beleza dele, o chamado dele, a natureza dele. Amor sempre arruma brecha para escoar entre os dedos temerosos do medo. Pode ser que a gente sinta tanto receio e se proteja tanto, as feridas antigas cicatrizadas coisíssima nenhuma, que nem consiga vivê-lo em sua plenitude. Mas que ele escoa, escoa. Esparrama no sorriso. Escapole no olhar. Canta no silêncio. Diz.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo que delatava o desejo, os quarteirões da gente todos iluminados com o fogo feliz da sensualidade, iluminadas as ruas todas que dão acesso ao lugar onde o corpo e a alma costumam se encontrar e dançar numa única canção. Havia algo que não podia ser negado, preterido, amordaçado. Algo que inaugura primavera, tanto faz se é inverno. Algo raro e precioso. Que é perfeito, ao mesmo tempo que consegue incluir todas as imperfeições. Que é lindo, ao mesmo tempo que consegue integrar as esquisitices todas que gente também tem. Havia amor e, de um jeito ou de outro, sabíamos sem nos dizer, havia chegado pra ficar.

Ana Jácomo

01 novembro, 2012

Ensaios não existem



Esbarro, distraidamente, em versos da poeta polonesa Wislawa Szymborska, traduzidos por Regina Przybycien para a Companhia das Letras. Estão em Poemas, livro recém chegado às livrarias. Versos que _ eis o que me assombra _ parecem a mim destinados. Como se eu os recebesse em uma carta lacrada de que fosse o único destinatário. E eles contivessem um segredo que não diz respeito a mais ninguém, a não ser a mim mesmo. Como se a octagenária Wislawa me conhecesse, não de outras décadas, mas de outros instantes. Fosse bem mais que minha amiga íntima: pudesse ler minha alma. 
Os versos, que me assaltaram em uma tarde cinzenta e desanimada, são assim: "A vida na hora./ Cena sem ensaio./ Corpo sem medida./ Cabeça sem reflexão." E, saltando uma linha, o poema _ batizado "A vida na hora" _ prossegue: "Não sei o papel que desempenho./ Só sei que é meu, impermutável". Não serei, por certo, o único a vestir esses versos com o sentimento de um corte impecável. Versos "sob medida", como paletós cortados por um rigoroso alfaiate.
 De que falam esses versos? Do insubstituível. De algo que tenho, e que não é grande coisa, é absolutamente comum e, no entanto, me distingue. Aquilo que você tem, você que me lê, algo a que nunca deu importância e, contudo _ aguente isso firme! _, é a sua marca. Estamos todos, como diz Wislawa, "despreparados para a honra de viver".
Consideramos, em geral, que a vida é incômoda, ou difícil, ou mesmo indesejável _ e sonhamos como outras vidas, inexistentes. Não percebemos a grandeza de ser quem somos. Nennhum gênio, ninguém especial, nenhuma glória, ou fortuna: só (mas será "só"?) uma pessoa comum. Só o que cada um é capaz de ser. O que cada um, apesar de si, continua a ser. Ou, porque tudo flui no grande rio do Um, a "re-ser".
Nessa direção aponta a poesia: o particular. Uma pinta discreta sob os olhos, sombrancelhas mais caídas, algumas rugas em um lugar inesperado, um gesto inconfundível embora banal, a marca que algum sentimento deixou, quase invisível, no olhar. A poesia fala do Um. Impiedosa, Wislawa fala de si mesma: "Meu jeito de ser cheira a província./ Meus instintos são amadorismo." Fala de si, ou da poeta que inventou para, enfim, escrever versos? Esta "voz lírica" é Wislawa, ou sua máscara? Pouco importa. Importa que se trata de um semblante inconfundível. Você lê três ou quatro palavras e já sabe: é Wislawa quem escreve. 
Disso fala, sempre, a literatura: trabalhamos com materiais cuja procedência desconhecemos. Defrontamo-nos com eles, sem ensaios, sem estudos, sem antecipação. "Se eu pudesse apenas praticar uma quarta-feira antes", a poeta se lamenta. "Ou ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!" Mas não: a vida não suporta a repetição, ou o enquadramento. Na vida é assim: 1 + 1 = 1. A vida desmente a aritmética e suas operações. Você está condenado ao único. Eu também. Todos estamos. Ninguém se livra de si mesmo e isso, a poeta assinala, é viver. É também escrever.
Adverte ainda: "É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida feita em acomodações provisórias". Claro: tudo é transitório. Mas, no vão de cada momento, só cabe isso mesmo, o momento. Em cada homem, ou mulher, só cabe um homem, ou uma mulher. Tarefa do poeta: suportar quem é. Destino do poeta: fazer deste "quem é" a sua escrita. Como isso exige coragem! Dentre todos os números, Wislawa nos mostra, o 1 é o número mais perigoso.
Termina Wislawa: "E o que quer que eu faça, vai se transformar para sempre naquilo que fiz". Eu sou o que sou, você é o que é, e é nisso que reside a única grandeza. Pequena e ridícula grandeza, de ser tão pouco. De ser _ e isso deveria bastar. Sem ensaios, sem repetições, sem preparações, sem métodos. Sem prescrições de especialistas, ou roteiros de segurança. Os poetas conhecem esse segredo que conduz ao que chamamos de destino. O destino? Ele vem inscrito no corpo. Nós o carregamos a cada suspiro, a cada tropeço, a cada falha, a cada alegria, ou desesperança. Na noite escura, ou no dia fervente. Ele é nosso palco. 
Alerta a poeta: estamos sempre no momento da estréia. Passa um segundo, e estamos a começar mais uma vez. Estamos a estrear. O presente é esta estréia que não termina. Esse 1 + 1 que resulta sempre em outro 1, e outro 1, e mais outro. A vida é esta sucessão de mortes e renascimentos. Este 1 que se repete e, no entanto, é sempre outro. Essa marca que, a cada passo, se transforma em outra marca, e mais outra, e ainda outra _ e elas jamais se somam! Isso é a poesia.

José Castello