22 maio, 2011

Compreenda...


"- Compreenda, eu só preciso falar com você. Não importam as palavras, os gestos, não importa mesmo se você continua a fugir e se empareda assim, se olha para longe e não me ouve nem vê ou sente. Eu só quero falar com você, escute. "
"... sei que pretendia dizer alguma coisa muito especial pra você, alguma coisa que faria você largar tudo e vir correndo me ver..."
"Só vou perguntar porque você se foi, se sabia que haveria uma distância, e que na distância a gente perde ou esquece tudo aquilo que construiu junto. E esquece sabendo que está esquecendo."
C.F.A

Onde andara Dulce Veiga?




"Devia ser sábado, passava da meia-noite.
Ele sorriu para mim. E perguntou?
- Você vai para a Liberdade?
- Não, eu vou para o Paraíso.
Ele sentou-se ao meu lado. E disse.
- Então eu vou com você."

"Tudo aquilo que eu esquecia ou negava, soube vagamente em plena queda, era o que eu mais era."

"A vida não é apagável, pensei. Nem volta atrás. Ainda não construíram a máquina do tempo. Ninguém virá em meu socorro. Faz tanto tempo que invento meus próprios dias. Preciso começar por algum ponto."

"Chegar ao centro, sem partir-se em mil fragmentos pelo caminho. Completo, total. Sem deixar pedaço algum para trás."

“São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição.”

Caio Fernando Abreu em Onde andara Dulce Veiga?

20 maio, 2011

Monólogo de uma mulher de mercado

"Ele não disse nada para mim. Nada. Ele não disse que o sol brilhava só para mim, nem que eu era sua flor da montanha, ele não disse nada para mim naquela noite ali num cantão escuro de São Paulo, ali no carro dele, um Audi, sim, um Audi onde ele me dava um amasso, mas eu não queria ainda amassos, eu queria amor, sim, e ele não me chamou de flor da montanha, ele me chamou de avião, ‘você é um avião!’, e que eu era uma gatona, uma tigresa, e ele ia tentando abrir minha jeans Diesel, mas ainda bem que era muito justa e eu não queria ainda nada, e eu chamei ele de Ferrari, ‘Calma aí, você pensa que é uma Ferrari?’, há há há ele riu e eu ri, sim, também para melhorar o clima, e aí eu fazia força para não pensar no passado, no tempo em que eu lia Simone de Beauvoir e Joyce, sim, o lindo monólogo final de Molly Bloom, cheio de sins, sins, sim, eu fazia esforço para não olhá-lo porque eu não o amava e talvez nunca amaria, e eu fazia força para não ver seu rosto, seu jeito bruto apressado dizendo ‘segura aqui gatona’, e eu: não, calma aí, eu que sempre sonhei com um homem doce e profundo que ‘someday will come along’, que me desse um longo beijo e que eu perdesse o ar, e então ele diria que o sol nasceu para mim e eu claro me apaixonaria na hora, sim, pois estaria provado que ele sabia tocar uma mulher, mas não, ele me bolinava e seu celular tocava com uma musiquinha de carrossel ti ri ri ti ri ri e ele não parava de meter a mão entre minhas pernas como se eu fosse uma continuidade do celular, do carro, como se eu fosse uma peça ali do conjunto, da engrenagem do carrão, e eu queria até me emocionar, queria querer, esperava ver o sol raiar e me apaixonar, mas o sol não aparecia atrás da poluição da cidade, dos viadutos punks, eu queria ver o sol ou a lua para me estimular, para que eu pudesse amá-lo, sim, mesmo sendo ele diferente de meus sonhos, mesmo ele com sua camisa de ‘voil’ de bolinhas brancas, mesmo ele com bigode e uma barbinha aparada, mesmo com sua barriga de chope, sim, mesmo assim eu poderia até me apaixonar, gamar mesmo, sim, pois nós mulheres somos frágeis, mas ele não ajudava, falando alto, me apertando, só pensando na técnica de me convencer a dar para ele, e eu fingia naturalidade, sim, aprendi isso no mercado financeiro: sorrir sempre, pois ‘bode’ não é comercial, sim, eu pensava em meu emprego, e fui conseguindo esquecer minha alma romântica e já falava calculadamente, trocando meu ódio por silêncios suaves, minha coragem por risos obedientes, meus desejos por segurança, minha independência juvenil e esperançosa pela necessidade de entrar no mercado, sim, no mercado, sim, onde tudo se passa e eu me lembrava de tantas amigas perdidas na noite, sem lugar no mundo real e, sim, eu vi que já era uma mulher de mercado, e onde andará Leila Diniz, em que deserto da Índia ela sumiu?; onde andará Sílvia Plath, em que fundo poço, e onde estarão as poetisas mortas, em que hiatos se soltaram?; e o que ele queria de mim podia ser dado por qualquer putinha, mas não; ele queria me dobrar, me obrigar a dizer sim sim, ele queria minha fraqueza, meu amor vencido, ele me queria ali, a seu serviço, ele queria provar o fim da liberdade, do feminismo, e eu sabia sim, sabia do seu escroto uso de poder, mas tinha medo também de nada ter, tinha medo também da solidão fria, ao menos ele era um homem me querendo, melhor que o nada no viaduto, e aí eu tentava desesperadamente em minha fantasia descobrir beleza até na boçalidade, eu pensava: ele é apenas um cafajeste brasileiro, tão típico, um cafajeste poético, enquanto ele ria e tocava um CD de pagode ali no carro e eu pensava em outro homem na minha imaginação, ‘the man I love’, uma mistura sei lá, de Brad Pitt com Gianecchini para me conformar com ele, assim como me acostumei com o fim das esperanças, me acostumar com a armadilha de liberdade em que todas nós caímos, sim, agora que estamos sem futuro, sem bandeiras, entre o emprego mal pago, a cozinha ou a prostituição, não como a honesta ‘micheteira’, a doce ‘babadeira’ legal, mas a prostituta da submissão, da mansa aceitação do ritual diário do marketing, do puxa-saquismo no emprego, do riso de falsa alegria diante de piadas sacanas no escritório, sim sim, eu sei que está aparecendo meu ‘cofrinho’, ali atrás na minha calça justa, há, há, há, vocês machões são fogo, eu sorria, parecendo deliciada, pensando: tenho de ser gostosa e alegre, como ensinam todas as capas de revista, com bundas bundas bundas, e tenho de fechar os olhos e imaginar que estamos em frente ao mar azul pavão no fim de tarde, no crepúsculo glorioso com os roseirais e gerânios surgindo atrás de seu carrão prateado, grandes flores no para-brisa e, sim, eu fechava os ouvidos para não ouvir o seu riso arfante e o pagode, bem que poderia virar um Cole Porter ou algo assim, pois eu tinha de imaginar que seus músculos de malhado gordo eram para me proteger e não para talvez até me bater se eu disser não, não, sim, sim, tinha de ouvir a voz de meu herói imaginário dizendo que eu sou a flor da montanha, e tinha de achar que quem me beijava não era ele, mas era um outro que não existia e, sim, aos poucos fui ficando mais conformada, talvez mais fria, talvez até mais contemporânea e sim, eu pensava: sim, sou uma mulher que está dentro do mercado, sim, e aos poucos comecei a achar uma certa graça perversa nele e ele me perguntou se eu diria sim, se eu faria sim, e ele me chamou de novo de avião e de minha gostosona, mas eu ouvia que o sol nasceria só para mim, e ele falou olha o minhocão e olhei e não era o viaduto e, sim, ele empurrou minha cabeça suavemente, sem dúvida, ele foi suave, empurrou minha cabeça suavemente para baixo, para seu colo e eu pensei que, como diria Milton Friedman, nada existe fora do mercado e eu disse sim, sim, eu beijei sua barriga e desci aos poucos e sim, eu disse sim... sim". 

Arnaldo Jabor

10 maio, 2011

Conversa De Botas Batidas


"Abre a janela agora

Deixa que o sol te veja

É só lembrar que o amor é tão maior

Que estamos sós no céu

Abre as cortinas pra mim

Que eu não me escondo de ninguém

O amor já desvendou nosso lugar

E agora está de bem"

Marcelo Camelo - Conversa De Botas Batidas

08 maio, 2011

Uma manhã...



"Uma manhã, a gente acorda e diz:
'Era só um conto de fadas...'
E a gente sorri de si mesmo.
Mas, no fundo, não estamos sorrindo.
Sabemos muito bem que os contos de fadas são a única verdade na vida"

Antoine Saint-Exupéry

MÃE

Para minha mãe...

COM VOCÊ, MÃE, EU POSSO IR MAIS LONGE, POSSO IR ALÉM!!!

"Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!"

Mário Quintana

03 maio, 2011

Dizem que a gente tem o que precisa...



Dizem que a gente tem o que precisa.

Não o que a gente quer.

Tudo bem.

Eu não preciso de muito.

Eu não quero muito.

Eu quero mais.

Mais paz.

Mais saúde.

Mais dinheiro.

Mais poesia.

Mais verdade.

Mais harmonia.

Mais noites bem dormidas.

Mais noites em claro.

Mais eu.

Mais você.

Mais sorrisos, beijos e aquela rima grudada na boca.

Eu quero nós.

Mais nós.

Grudados.

Enrolados.

Amarrados.

Jogados no tapete da sala.

Nós que não atam nem desatam.

Eu quero pouco e quero mais.

Quero você.

Quero eu.

Quero domingos de manhã.

Quero cama desarrumada, lençol, café e travesseiro.

Quero seu beijo.

Quero seu cheiro.

Quero aquele olhar que não cansa, o desejo que escorre pela boca e o minuto no segundo seguinte:  nada é muito quando é demais.

Caio F. Abreu