29 dezembro, 2010

ES-PE-RAN-ÇA










Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

 


Mário Quintana
Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118.

28 dezembro, 2010

Eu desejo que desejes



Eu desejo que desejes ser feliz de um modo possível e rápido,
desejo que desejes uma via expressa rumo a realizações não utópicas,
mas viáveis, que desejes coisas simples como um suco gelado
depois de correr ou um abraço ao chegar em casa,
desejo que desejes com discernimento e com alvos bem mirados.
Mas desejo também que desejes com audácia,
que desejes uns sonhos descabidos
e que ao sabê-los impossíveis não os leve em grande consideração,
mas os mantenha acesos, livres de frustração,
desejes com fantasia e atrevimento,
estando alerta para as casualidades e os milagres,
para o imponderável da vida, onde os desejos secretos são atendidos.
Desejo que desejes trabalhar melhor, que desejes amar com menos amarras,
que desejes parar de fumar, que desejes viajar para bem longe
e desejes voltar para teu canto, desejo que desejes crescer
e que desejes o choro e o silêncio, através deles somos puxados pra dentro,
eu desejo que desejes ter a coragem de se enxergar mais nitidamente.
Mas desejo também que desejes uma alegria incontida,
que desejes mais amigos, e nem precisam ser melhores amigos,
basta que sejam bons parceiros de esporte e de mesas de bar,
que desejes o bar tanto quanto a igreja,
mas que o desejo pelo encontro seja sincero,
que desejes escutar as histórias dos outros,
que desejes acreditar nelas e desacreditar também,
faz parte este ir-e-vir de certezas e incertezas,
que desejes não ter tantos desejos concretos,
que o desejo maior seja a convivência pacífica
com outros que desejam outras coisas.
Desejo que desejes alguma mudança,
uma mudança que seja necessária e que ela não te pese na alma,
mudanças são temidas, mas não há outro combustível para essa travessia.
Desejo que desejes um ano inteiro de muitos meses bem fechados,
que nada fique por fazer, e desejo, principalmente,
que desejes desejar, que te permitas desejar,
pois o desejo é vigoroso e gratuito, o desejo é inocente,
não reprima teus pedidos ocultos, desejo que desejes vitórias,
romances, diagnósticos favoráveis, mais dinheiro e sentimentos vários,
mas desejo, antes de tudo, que desejes, simplesmente.
                                      
Martha Medeiros

Quem você mais amou




"Diga-me quem você mais perdoou na vida, e então direi quem você mais amou."




Pe. Fábio de Melo

23 dezembro, 2010

Oração de Natal


Senhor, nesta Noite Santa, depositamos diante de Tua manjedoura todos os sonhos, todas as lágrimas e esperanças contidos em nossos corações.
Pedimos por aqueles que choram sem ter quem lhes enxugue uma lágrima.
Por aqueles que gemem sem ter quem escute seu clamor.
Suplicamos por aqueles que Te buscam sem saber ao certo onde Te encontrar.
Para tantos que gritam paz, quando nada mais podem gritar.
Abençoa, Jesus-Menino, cada pessoa do planeta Terra, colocando em seu coração um pouco da luz eterna que vieste acender na noite escura de nossa fé.
Fica conosco, Senhor! Assim seja!
FELIZ NATAL!!!!!!

22 dezembro, 2010

Não me dêem fórmulas certas



"Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre."

Clarice Lispector

19 dezembro, 2010

É preciso disposição

É preciso disposição para o amor e para todos os seus desdobramentos.
Devo estar desequilibrada mesmo,
nunca falei tanta besteira.
Mas é fato, ando com preguiça de interpretar o mundo,
de entender as pessoas,
de procurar os sete erros.
Gostaria de ter todas as respostas na última pagina,
de ter um manual de atitudes sensatas,
de ter o pensamento voltado pra Meca.
Queria que houvesse um serviço de telessoluções entregues a domicílio em menos de meia hora.
Que gorjeta boa eu daria.
Cansei de filme de guerra, holocausto, tortura, exorcismo,
crise existencial, seqüestros, erro médico, suicídio, trapaça.
Agora só vejo comédia romântica,
dessas que não valem o preço do ingresso.
Ando abençoando a alienação,
eu que tinha uma dificuldade crônica em concordar com os outros,
que consumia arte e perversão, filosofia e rock´n´roll,
literatura e álcool, Almodóvar e beijos lascivos.
Lopes, me quero de volta, eu pago resgate.


Martha Medeiros, em Divã

Eu escolhi a felicidade

Por Lya Luft

No dia em que completava 102 anos, sentada à mesa de sua cozinha, ajudando filhas e empregadas a preparar o almoço, uma dama perfeitamente lúcida fez esse comentário, e acrescentou: "Eu escolhi a felicidade."

Entrevistada, explicou que não se tratava de não ter problemas, mas de "não ter pena de si mesma, não desconfiar de tudo, e não alimentar demais a raiva, porque ela rói o coração". Quase no final de uma trajetória excepcionalmente longa, essa velha dama não se lamentava pelo que havia perdido, os amados motos, a saúde fragilizada, não poder mais caminhar sozinha, nem dançar, mas dava seu recado: a vida, em boa parte, são as nossas decisões. E se não podemos mudar os fatos, podemos administrar nosso jeito de lidar com eles.

Obviamente boa parte disso vem de nossas disposições inatas, se fomos um daqueles bebês solares ou irritadiços, se nossa meninice foi mais ou menos favorável, se fomos suficientemtente amados e nossa alma nos permitiu - ou não - perceber isso.

Mas vejo um melhor projeto de vida do que esse: escolher o lado do sol, em vez de acompanhar a procissão dos queixosos. Querer ser o cuidador (sem vitimização) e não o perseguidor, não humilhar o parceiro ou ironizar o filho que não vai esquecer isso nunca mais.

A vida é uma longa construção: em geral a enxergamos como deterioração. Não conseguimos apreciar o outro lado, que é acúmulo, experiência, serenidade, mínima sabedoria, mais tempo, quem sabe mais bondade. Construção de emoções positivas, com porões de tristezas e um sótão de decepções, mas a sala e os quartos arejados, com portas que podemos abrir para que se revele o que ainda virá em seguida e vai se desdobrar.

Isso é o que "a gente decide".

Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar.

Tudo isso, até certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores, até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno.

Entre desgraça e audácia, andamos nesse fino arame das possibilidades que nos cabem, onde fomos colocados sem nenhuma preparação ao nascer.

As engrenagens do destino não seguem a nossa lógica. Com tantas ilusões infantis, que arrastamos maturidade afora, não é fácil entender que não é preciso escalar o Himalaia intelectual ou social, ser uma pessoa famosa, um homem poderoso ou uma mulher deslumbrante para que a vida tenha sentido e se atinja um grau de harmonia, que chamo de felicidade. Encontrar o contentamento não tem a ver com carteiras, cartões, medidas e pele lisa, liderança óbvia ou alta competitividade, pois a verdadeira importância é outra: é a de um ser humano atuante, a começar por si mesmo e seu grupo mais próximo, a família, depois o trablaho, a comunicade, e, sem grandes gestos tresloucados, o país e, sim, o mundo.

Não há receita nem facilitador, mas a esperança de que, no desenho às vezes absurdo da existência, haja tramas de afeto, rasgos de criatividade, força de ações - isso inclui cuidado com a natureza e eliminação da pobreza mais brutal - que nos justifiquem enquanto seres humanos.

Tenho o otimismo, tenho - talvez - a ingenuidade de acreditar que tudo faz algum sentido, e que n'so precisamos descobrir ou esboça-lo. O que nos propomos, o que extraimos do fundo de nós e de nossas necessidades para nos salvar da mediocridade ou do desespero, nem por isso será menos estimulante, nem por isso será menos real.

Mas para além do que diz a nossa cultura, exige a nossa sociedade e inventam nossas neuroses, o precioso tempo da vida fica a cargo de cada um de nós, até aquele tão decantado último suspiro.

Podemos por exemplo tirar o nariz de palhaço e construir algo real com nossas escolhas. A alienação é uma postura criminosa quando se trata de assuntos graves que envolvem ética, justiça, direitos, dignidade - que andam de mão dadas

(...)

Mas não é fácil mudar conceitos e comportamentos se isso ameaça nos tornar diferente, por menor que seja essa diferença em relação ao nosso grupo. Queremos ser aceitos pela maioria, reconhecidos, quem sabe admirados, como em crianças queríamos ser o preferido da mãe ou do pai. Em muitas coisas seremos sempre crianças insatisfeitas em cujo inconsciente o lídar da turma, o chfe do setor, o político ou o esportista assumem a figura paterna, que na nossa fantasia tem sempre razão, decide por nós, talvez até seja complacente.

Nadar contra essa correnteza da opinião alheia e a atitude da maioria exige discernimento: o que fazer, o que escolher, o que mudar, ainda que seja apenas meu jeito de tratar os outros, ou o valor que me atribuo? Exige desejo e determinação.

Mudar, por pouco que seja, faz parte da nossa pequena guerra individual e cotidiana. Superar coisas que nem queremos, projetos que sabemos falsos, atitudes aplaudidas, porém ridículas, promessas mentirosas, turmas que não nos dizem nada, aventuras sem graça Será mesmo no mais bana, e em qualquer altura da vida, o início de um bom aprendizado: continuar crescendo.

Eventualmente suspiramos pelo tempo em que tínhamos menos possibilidades, portanto menos conflitos, e os outros decidiam tudo. Mas a gente não participava na construção de si mesmo, abrindo portas e mobiliando quartos. Outros decidiam, outros falava; de sacrifícioo, deveres, compromissos, ou do lema preferido destes tempos: a animação, a agitação, pensar é um tédio, vamos correr, vamos ao shopping que sempre é uma forma de salvação.

Segue o teu destino







"Segue o teu destino...
Rega as tuas plantas;
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
de árvores alheias"

Fernando Pessoa

Nunca é o mesmo rio


“Um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, porque nunca é o mesmo homem, e nunca é o mesmo rio." Heráclito de Éfeso (filósofo grego, 540 a.C. – 470 a.C.).

Let it be


"Sabe, para mim a vida é um punhado de lantejoulas e purpurina que o vento sopra. Daqui a pouco tudo vai ser passado mesmo - deixa o vento soprar, let it be,  fique pelo menos com o gostinho de ter brilhado um pouco... " CFA

18 dezembro, 2010

"E" e "se"


"Querida Claire,
"E" e "se" são duas palavras tão inofensivas quanto palavras podem ser... mas coloque-as junto, lado a lado e elas tem o poder de perseguir você pelo resto da sua vida.
E se? E se? E se?
Não sei como sua historia terminou...mas, se o que você sentia era amor verdadeiro...então nunca é tarde demais.
Se era verdadeiro então, porque não seria agora?
Você só precisa ter coragem de seguir seu coração. Não sei como é um amor como o de Julieta...um amor pelo qual deixar entes queridos...um amor pelo qual cruzar oceanos...
Mas quero acreditar que, se um dia eu sentisse esse amor teria coragem de agarrá-lo...
E, Claire, se não fez isso...espero que um dia faça.

Com todo carinho, Julieta (Sophie)"

Do filme: Cartas para Julieta (Letters to Juliet)

Deite seu fogo ou mel na folha quieta




"Nada entendo de signos:

se digo flor é flor, se digo àgua é água.

( Mas pode ser disfarce de um segredo.)

Se não podem sentir, não torçam

a arvore-de-coral do meu silêncio:

deixem que eu represente meu papel.

Não me queiram prender como a um inseto

no alfinete da interpretação:

se não me podem amar, me esqueçam.

Sou uma mulher sozinha num palco,

e já me pesa demais todo esse ofício.

Basta que a torturada vida das palavras

deite seu fogo ou mel na folha quieta,

num texto qualquer com o meu nome embaixo."




Lya Luft

14 dezembro, 2010

Está faltando amor



"Eu acredito que tudo acontece por um motivo. As pessoas mudam para que você consiga deixá-las para lá. As coisas dão mal para você aprender a aprecia-las quando estão boas. E às vezes, coisas boas se separam para que coisas melhores ainda se juntem."




"Sem preferências físicas ou de números. Não está faltando homem, está faltando amor."


 Marilyn Monroe


09 dezembro, 2010

"Não me lembro mais qual foi nosso começo. Sei que não começamos pelo começo. Já era amor antes de ser".

(C. Lispector)

Mas houve o erro?


Você vai perguntar: mas houve o erro? Bem, não sei se a palavra exata é essa, erro. Mas estava ali, tão completamente ali, você me entende? No segundo seguinte, você ia tocá-la, você ia tê-la. Era tão. Tão imediata. Tão agora. Tão já. E não era. Meu Deus, não era. Foi você que errou? Foi você que não soube fazer o movimento correto? O movimento perfeito, tinha que ser um movimento perfeito. Talvez tenha mostrado demasiada ansiedade, eu penso. E a coisa se assustou então. Como se fosse uma coisa madura, à espera de ser colhida. É assim que eu vejo ela, às vezes. Como uma coisa parada, à espera de ser colhida por alguém que é exatamente você.

(...)

O erro? Eu dizia, pois é, o erro. Eu penso, se o erro não foi de dentro, mas de fora? Se o erro não foi seu, mas da coisa? Se foi ela quem não soube estar pronta? Que não captou, que não conseguiu captar essa hora exata, perfeita, de estar pronta. Porque assim como o movimento de apanhar deve ser perfeito, deve ser perfeita também a falta de movimento, a aparente falta de movimento do que se deixa apanhar. Você me entende?"



Caio Fernando Abreu

João e Maria



Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava o rock para as matinês
Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país
Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?


Chico Buarque

05 dezembro, 2010

Custa tanto...


"Custa tanto ser uma pessoa plena,
e poucos são aqueles
que têm a luz ou a coragem de pagar o preço...
É preciso abandonar por completo
a busca da segurança e correr
o risco de viver com os dois braços.

É preciso abraçar o mundo
como um amante.
É preciso aceitar a dor como condição da existência.
É preciso cortejar a dúvida e a escuridão
como preço do conhecimento.
É preciso ter uma vontade obstinada no conflito,
mas também uma capacidade
de aceitação total de cada consequência do viver e do morrer."

Morris Langlo West em "As Sandálias do Pescador"

02 dezembro, 2010

Não terá melhor viagem...


“Viaje segundo um seu projeto próprio, dê mínimos ouvidos à facilidade dos itinerários cômodos e de rasto pisado, aceite enganar-se na estrada e voltar atrás, ou, pelo contrário, persevere até inventar saídas desacostumadas para o mundo. Não terá melhor viagem.
E, se lho pedir a sensibilidade, registre por sua vez o que viu e sentiu, o que disse e ouviu dizer. Enfim, tome este livro como exemplo, nunca como modelo. A felicidade, fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles. Entregue as suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva.”

José Saramago