23 junho, 2013

Pronunciamento da Presidenta aos manifestos.



Só a minha opinião:

Eu acho que o pronunciamento da Dilma teve muitos pontos positivos, sim! Ela propôs REFORMA POLÍTICA com participação popular: “Anuncio que vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros do passado e do presente. (...) Quero contribuir para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos e, sobretudo, do voto popular, base de qualquer processo democrático. Temos de fazer um esforço para que o cidadão tenha mecanismos de controle mais abrangentes sobre os seus representantes.”

É claro que tenho muitas criticas e esse pronunciamento, e continuo questionando o dinheiro da copa, que segundo ela: “É fruto de financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios. Jamais permitiria que esses recursos saíssem do orçamento público federal, prejudicando setores prioritários como a Saúde e a Educação.”

Mas mesmo assim temos que ver o lado bom e APROVEITAR ESSA OPORTUNIDADE QUE ESTAMOS TENDO DE SERMOS OUVIDOS, VAMOS NOS MANIFESTAR, MAIS E MAIS! MAIS E MAIS PESSOAS, VAMOS ADERIR A ESSA MANIFESTAÇÃO. VAMOS TODOS!

Olhem para as proporções que as manifestações estão tomando, e, por favor, os mais esclarecidos “os que já acordaram a tempo” juntem-se a massa, é a união que faz a força, transfiram conhecimentos aos menos esclarecidos. ISSO TAMBÉM É CIDADANIA.

E nós que não sabemos muito, vamos estudar, vamos buscar informação, vamos conversar sobre politica, corrupção e possíveis soluções. É lógico que mesmo a Dilma sendo a presidenta, não tem total poder sobre tudo, o país é dividido em 3 poderes: Legislativo, judiciário e executivo. E cada qual tem as suas atribuições, vamos estudar a quem devemos nos dirigir e para que. Não adianta só sair criticando a Dilma. Eu achei até cômico algumas partes do pronunciamento dela, mas vamos ver o lado bom também. Ficar só criticando não vai adiantar. E vamos SIM protestar, nos manifestar contra o que achamos que está errado. A hora é agora.

Ontem ouvi uma socióloga e ela disse mais ou menos isso: O povo ficou revoltado ao ver que há verba para investir em estádios que antes não havia para ser investida em saúde e educação. E é isso mesmo, para mim é isso que explica toda essa revolta, explica a minha revolta. Mas no fundo é tanta mais tanta coisa errada, que acabamos enfim nem sabendo o que realmente estamos protestando, mas vamos ter foco, é mais fácil de conseguirmos resultados se soubermos o que queremos e o porquê de estarmos indo as ruas. Afinal quem não sabe para onde vai qualquer vento leva. Vamos aproveitar esse momento, por favor!!!

Eu sei que dá uma confusão, eu senti, a gente tá acostumado a ser o FUTEBOL. Em meio ao manifesto de 5ª feira, algumas vezes eu pensei nisso: Que sentimento é esse que me fez vir até aqui? Porque eu olho para alguns cartazes e sinto uma profunda emoção? Por algumas vezes pensei: É tanta gente, parece que vencemos a copa do mundo, milhares de bandeiras, e eu estava gritando: Sou brasileira com muito orgulho e muito amor! Coisa de final de copa do mundo não é? NÃO. NÃO É. E quando eu pensava: Não eu não estou feliz eu estou protestando. Era um sentimento confuso. Porque somos o futebol, estamos acostumados com o futebol e a sair nas ruas APENAS para comemorarmos o futebol. Mas dessa vez NÃO.

Vamos nos cobrir de seriedade, vamos estudar! Pergunte para quem sabe mais que você, vamos nos politizar, assim conseguiremos um país melhor! Esse que queremos deixar para os nossos filhos e netos. Esse que queremos deixar para a história! Eles ainda estudarão a revolução de 2013. E nós poderemos dizer, com todo orgulho, que fizermos parte dela, porque o que estamos fazendo hoje é GIGANTE!

Valorize! E participe das manifestações.

Aline Lange Barros.

11 junho, 2013

Palavras não ditas.


“Sem que eu soubesse, as coisas não ditas haviam crescido como cogumelos venenosos nas paredes do silêncio, enquanto ele ficava acordado na cama, fitando o teto, com o branco dos olhos reluzindo na penumbra. Se eu interrogava, o que você tem amor? Ele respondia que não era nada, estava pensando no trabalho. A gente sabia que era mentira, ele sabia que eu sabia, mas nenhum de nós rompeu aquele acordo sem palavras. Nunca imaginei o mal que o roía.” 
Lya Luft em O Silêncio dos Amantes


Eu nunca entendi porque meu pai não dizia que me amava.
Sabia lá dentro do afeto que ele me tinha, mas cresci sem o famoso ‘eu te amo’. Fui ouvi-lo de outros. Amigos e amores – alguns sinceros, outros nem tanto. Mas o ‘eu te amo’ do meu pai, aquele não vinha. Ele fez falta na infância, na adolescência, quando saí e voltei de casa. Quando meu filho nasceu. Acho que só fui ouvir as 3 palavras mágicas depois do segundo divórcio. Nem lembro quando nem como. Foi algo meio fugidio, falado às pressas e com a aspereza de quem não tem intimidade com a coisa. Mas aí já não era a coisa mais esperada do mundo. Afinal, como disse, havia aprendido a ouvi-lo torto, de outras formas e de outras fontes. Acho que nunca saberei a extensão do dano de não ter ouvido, dele, aquelas palavras quando precisei. Também nunca entendi essa demora toda nem porque ele, como a maioria dos homens, tinha tanta dificuldade em falar sobre o que sentia. Até que um dia, sem querer, encontrei uma resposta.
A resposta veio através de um livro, encontrado por acaso na biblioteca em que meu filho, então já no terceiro ano do fundamental, estudava: ‘Memórias de uma (outra) guerra’, de Marlene de Fáveri.
O levei para casa, li e reli, impressionada com as cenas violentas, com a dor, a humilhação e vergonha que via relatadas no livro. Fui ter com meu pai, assuntar se aquilo existiu mesmo, se ele sabia ou tinha vivido o fato. No começo ele ficou meio ressabiado em falar, mas aos poucos foi abrindo o que lembrava. Remexendo as memórias, os sentimentos, a dor presa na garganta. E aí fui entender o quanto julgamos errado o que não conhecemos. O quanto tomamos como pessoal o que nada nos diz. Ele não deixara de falar o ‘eu te amo’ porque não me amava ou pouco se importava com o que eu precisava ouvir. Era porque algumas palavras simplesmente não podiam sair. Falar podia doer mais do que calar.
Meu pai calou-se aos 7 anos. Simplesmente por ser alemão. Para quem não sabe – e era disto que tratava o livro – sob o pretexto de defender o país dos possíveis nazistas, o governo de Getúlio Vargas, de 1942 a 1945, perseguiu, prendeu e confinou mais de 3 mil alemães, italianos e japoneses em campos de concentração espalhados por todo o País. Nas cidades mais vigiadas de Santa Catarina, foi decretada uma verdadeira caça aos alemães. Quem falasse alemão e, sobre qualquer motivo (mesmo uma rivalidade pessoal), fosse suspeito de “invasor infiltrado”, “espião” ou “agente de Hitler”, era torturado em praça pública, tinha sua casa invadida, seus bens levados. A tortura muitas vezes significava fazer o suspeito beber óleo de motor queimado em praça pública enquanto a barra das suas calças era amarrada aos seus calcanhares. Aquilo produzia imediato efeito laxante e a pessoa era obrigada a seguir caminho defecando diante do povo que ria, apontando para o ‘porco nazista’. O pânico entre os alemães se instaurou, o rádio tinha que ser ouvido baixinho, temia-se até pelo vizinho. Ninguém saía de casa à noite e todos que falavam alemão ou mesmo português com sotaque, silenciaram. Ser alemão era perigoso.
Meu pai, então apenas um menino que só falava alemão e nada sabia de guerra, espiões ou campos de concentração nazistas ou brasileiros, do dia para a noite foi terminantemente proibido de abrir a boca. Mudo, não entendia o idioma que, de repente, todos falavam, o que era escrito no quadro da escola ou porque seus pais não conversavam mais com ele e os outros o humilhavam. Perdeu o primeiro ano do ensino fundamental e o desejo de continuar estudando. Aprendeu que ter língua comprida encurtava a vida. Que língua materna era uma madrasta castradora. Que língua solta prende e língua presa permite viver. E cresceu assim, mudo por um ano inteiro. amordaçado por vários.
Hoje ele consegue se abrir e falar sobre o que eu carecia ouvir enquanto crescia. Assim como cresce o afeto entre nós. Mas fico pensando no tanto de pessoas que não consegue se expressar e no sofrimento que eles carregam e criam com a própria dor. Rezo que consigam romper com seus silêncios algum dia e que este dia não seja tarde demais. E que quem precisa do ‘eu te amo’ possa entender, como eu, que talvez não seja pessoal. Talvez só existam palavras não ditas, caladas pela história de cada um.

Rosane Kurzhals

fonte: http://www.entendaoshomens.com.br/palavras-nao-ditas/


10 junho, 2013

Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim...


"Eu careço de que o bom seja bom e o ruim ruim,
que dum lado esteja o preto e do outro o branco,
que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza!
Quero todos os pastos demarcados... 
Como é que posso com este mundo?
Este mundo é muito misturado."

Guimarães Rosa

09 junho, 2013

O que é um problema?

          

"(...) - O que é um problema? - insistiu ele.
Então ficou claro que ele esperava uma resposta. Ainda mal recuperado da surpresa, achei que ele talvez não tivesse entendido minha pergunta.
Problem, problème - disse eu em outras línguas, embora a palavra soasse mais ou menos igual em ambas.
-Eu ouvi a palavra - atalhou ele. - Mas você poderia me explicar, por favor, o que significa?
Tentei em vão pescar na memória uma definição de dicionário, atônito com o fato de que, em um mundo repleto de problemas, aquele adolescente ainda não se deparara com o conceito. Por fim, vendo que não conseguia escapar de seu olhar penetrante, tentei uma explicação própria.
-Um problema é como uma porta da qual você não tem a chave.
-E o que se faz quando aparece um problema? - perguntou o jovem, cada vez mais interessado na conversa.
-Bem - refleti - , a primeira coisa a fazer é verificar se o problema é realmente seu, quer dizer, se está bloqueando seu caminho. Este é um ponto de vital importância - expliquei - , pois conheço muitas pessoas que interferem nos assuntos de outras que não pediram a ajuda delas. Desperdiçam tempo e esforço e impedem os outros encontrarem suas próprias soluções.
Vi que ele balançava a cabeça, concordando com essa óbvia verdade, tão difícil para os adultos entenderem.
-E quando o problema é seu? prosseguiu ele, virando-se para mim.
-Aí você deve primeiro encontrar a chave adequada; depois deve introduzi-la na fechadura de forma correta.
-Parece simples - observou o jovem, assentindo mais uma vez.
-De forma alguma - disse eu. - Existem aqueles que não conseguem encontrar a chave. Não porque não tenham imaginação, mas porque não experimentam duas ou três vezes as chaves que têm à disposição. E às vezes não experimentam nem uma vez. Querem que a chave seja colocada na mão deles ou, ainda pior, querem que alguém abra a porta para eles.
-Todos são capazes de destrancar uma porta?
-Se você estiver convencido de que pode, provavelmente é capaz. Mas se acreditar que não pode é quase certo que não vai conseguir.
-O que acontece com aqueles que não conseguem destrancar a porta?
-Devem tentar várias vezes, até conseguirem, ou nunca vão ser capazes de explorar plenamente o potencial que têm. - Então, como que pensando em voz alta, acrescentei: - Não adianta perder a calma, culpar a porta e ficar e ficar lutando contra ela, pois vamos acabar nos machucando. Nem devemos nos resignar a viver deste lado da porta, sonhando com o que pode haver no outro lado.
-Mas não há algum motivo válido para não abrirmos a porta? - insistiu o jovem, como se estivesse resistindo a alguma coisa.
-Pelo contrário! - exclamei. - As pessoas desenvolveram uma enorme capacidade para se justificar. Você pode justificar sua incapacidade pela falta de afeto, pela falta de estudo ou pelo sofrimento que suportou.
Pode convencer a si mesmo de que não cruzar o umbral é a coisa certa a ser feita, pois pode haver perigos e ameaças à espreita no outro lado. Ou pode declarar cinicamente que não está interessado no que poderá encontrar. Isso tudo não passa de maneiras de esconder a dor causada pelo fracasso. Enquanto você demora a enfrentar o obstáculo em seu caminho, a dificuldade se torna maior e você, menor. Em outras palavras, quanto mais tempo carrega um problema, mais pesado ele se torna.
-Senti que a resistência do jovem estava afrouxando, mas o olhar de tristeza e resignação em seu rosto me fez continuar.
-Tudo isso leva a infelicidade. O caminho para o crescimento espiritual exige coragem para crescer e mudar. Devemos estar dispostos a deixar nossa posição confortável e enfrentar o problema quantas vezes seja necessário, até resolvê-lo de um modo que nos satisfaça. Então poderemos transpor a porta e ir em frente. (...)"

Trecho retirado do Livro "O Retorno do Jovem Príncipe" - A. G. Roemmers

08 junho, 2013

Quando eu estiver louco, se afaste


Há que se respeitar quem sofre de depressão, distimia, bipolaridade e demais transtornos psíquicos que afetam parte da população. Muitos desses pacientes recorrem à ajuda psicanalítica e se medicam a fim de minimizar os efeitos desastrosos que respingam em suas relações profissionais e pessoais. Conseguem tornar, assim, mais tranquila a convivência.

Mas tem um grupo que está longe de ser doente: são os que simplesmente se autointitulam “difíceis” com o propósito de facilitar para o lado deles. São os temperamentais que não estão seriamente comprometidos por uma disfunção psíquica – ao menos, não que se saiba, já que não possuem diagnóstico. São morrinhas, apenas. Seja por alguma insegurança trazida da infância, ou por narcisismo crônico, ou ainda por terem herdado um gênio desgraçado, se decretam “difíceis” e quem estiver por perto que se adapte. Que vida mole, não?

Tem uma música bonita do Skank que começa dizendo: “Quando eu estiver triste, simplesmente me abrace/Quando eu estiver louco, subitamente se afaste/quando eu estiver fogo/suavemente se encaixe...”. A letra é poética, sem dúvida, mas é o melô do folgado. Você é obrigada a reagir conforme o humor da criatura.

Antigamente, quando uma amiga, um namorado ou um parente declarava-se uma pessoa difícil, eu relevava. Ora, estava previamente explicada a razão de o infeliz entornar o caldo, promover discussões, criar briga do nada, encasquetar com besteira. Era alguém difícil, coitado. E teve a gentileza de avisar antes. Como não perdoar?

Já fui muito boazinha, lembro bem.

Hoje em dia, se alguém chegar perto de mim avisando “sou uma pessoa difícil”, desejo sorte e desapareço em três segundos. Já gastei minha cota de paciência com esses difíceis que utilizam seu temperamento infantil e autocentrado como álibi para passar por cima dos sentimentos dos outros feito um trator, sem ligar a mínima se estão magoando – e claro que esses “outros” são seus afetos mais íntimos, pois com amigos e conhecidos eles são uns doces, a tal “dificuldade” que lhes caracteriza some como num passe de mágica. Onde foi parar o ogro que estava aqui?

Chega-se numa etapa da vida em que ser misericordioso cansa. Se a pessoa é difícil, é porque está se levando a sério demais. Será que já não tem idade para controlar seu egocentrismo? Se não controla, é porque não está muito interessada em investir em suas relações. Já que ficam loucos a torto e direito, só nos resta nos afastar, mesmo. E investir em pessoas alegres, educadas, divertidas.
Martha Medeiros.

07 junho, 2013

Melhor que dar a volta por cima, é voltar para si mesma...


Para onde vai tudo que se vive? Para onde vai a mágica de certos instantes? A comunhão que se viveu, a cumplicidade de dividir tempo, espaço, experiências inaugurais? Para onde vão o carinho, a parceria, a entrega? Para onde vai o conhecimento, pessoal e intransferível, que se tinha do outro? Para onde vai o que só vocês viram e experimentaram: o nascimento de um filho, a morte de um amigo, a notícia daquele emprego, o assalto, a compra da casa, o diagnóstico ameaçador, a noite no acampamento, aquele show em Londres? Para onde vai a consciência que você tinha, de, com apenas um olhar, saber se ele estava feliz, deprimido ou ansioso? Para onde vai a absoluta intimidade que se teve com o outro?

Acredito que isso tudo fica em algum lugar interno, como um site, uma espécie de nuvem onde armazenamos tudo o que vivemos. Tão reais e etéreos como o iCloud, temos os nossos weClouds, que podemos acessar ou que nos acessa, algo que fica preservado, e que, mais do que nos fazer lembrar coisas, nos acolhe e ratifica. O weCloud guarda o essencial, o que ficou depois da ruptura, da tempestade, o rescaldo de um tempo, um a dois permanente, que sobrevive aos acordos rompidos, às bênçãos desfeitas, às juras esquecidas. No weCloud, ficam o sumo, o substrato, a força do projeto um dia compartilhado. No weCloud, ficam o afeto espontâneo, o registro das intenções sinceras, da vontade de acertar e de tudo o que foi verdadeiro.

Os relacionamentos podem acabar, mas não o vivido. Não se trata de memória, nem de detalhes tão pequenos de nós dois. Não se trata de viver no passado, nem de não aceitar os fatos. Não se trata de sublimar dores e porradas ou se refugiar num mundo alegrinho de autoajuda e negação. Não se trata de dourar a pílula e contar para si uma história diferente. Trata-se de vida bem vivida que não pode nem deve ser perdida. Tudo o que vivemos e sentimos vira acervo, fonte, ferramenta; é nosso para sempre.

Quando estamos com alguém, somos, em alguma instância, uma pessoa única, que só aquele companheiro conhece. Maria é para João uma Maria que ela nunca será para Pedro, que é um Pedro para Maria, que nunca será o mesmo para Ana. Maria poderá ser muito mais feliz com Pedro do que com João, mas ela terá sempre sido a Maria do João e haverá sempre um lugar onde Maria e João se reconhecerão, mesmo que nunca mais se encontrem.

Somos o que vivemos, e não podemos abrir mão disso. É fundamental que cuidemos da nossa história, que saibamos acolher nossas experiências com generosidade e entendamos que certas vivências, emoções e descobertas foram únicas e estarão sempre produzindo algum efeito em nós.

Todo fim de relacionamento pede tempo. Tempo para o luto, para a saudade, para a cura, para o distanciamento, para a neutralidade, para o recomeço. Existe um caminho a percorrer que vai do fundo do poço ao fórum, do desespero ao terapeuta, da perplexidade à aceitação, do abandono à libertação. Há que fazer faxinas: roupas, livros, fotos, palavras mal ditas, mágoas, decepções. Há que separar papéis, propriedades, planos, sonhos. Há que separar, acima de tudo, o trigo do joio, o passado do futuro, o extinto do eterno. Há que guardar as coisas que não cabem em malas nem cofres, aquilo que não se quantifica nem se elenca em formais de partilha e declarações de renda. Há que amar o perdido.

Só quem tem passado tem futuro. Escolher a bagagem que se carrega é decisivo para seguir adiante. Entre fardo e combustível, asas e correntes, você decide. Entre salvar e deletar, você decide. Conjugar sem medo o pretérito imperfeito para viver o futuro do presente.

Depois de um tempo, as dores passam... Sim, elas se cansam de nós e, se somos saudáveis, nos cansamos delas também, seguimos em frente, voltamos para nós mesmas, dispensando o que não nos serve mais, garimpando minúsculas preciosidades, recolhendo luminosidades, cheias de preguiça de sofrer, prontas para recomeçar, de novo, mais uma vez. Um belo dia você se pega pensando naquele nós, que deixou de existir, sem a fisgada de saudade, nem ressentimento, nem raiva. Você pensa com serenidade. Você pensa não mais no ex, mas no companheiro de vida: sai o ex, fica o amigo.

É quando você o abraça no velório do pai e sabe como ele está se sentindo e ele também sabe que você sabe como ele se sente, e isso é muito íntimo e confortante e está lá, na tal nuvem, para sempre.

É quando você recupera em DVD seus filmes em Super 8 e fitas em VHS, com todas as fases e faces queridas da sua vida, e faz uma cópia para ele, porque sabe que aquilo tudo é parte da vida dele também, e você se sente grata por compartilhar.

É quando você recebe um presente sem cartão: um disco de vinil de um show que você foi com um certo namorado. Pronto, lá está o para sempre: os anos 70, a avidez de descortinar o mundo, a larica, a revolução, o incrível mundo das primeiras vezes, compartilhado com entrega e inocência. O cartão é desnecessário, pois só você e ele sabem quem vocês eram naquele dia-tempo e o que significou estar ali naquele concerto de rock.

É quando você encontra numa caixa esquecida rolhas de champanhe e sementes de romã, que fazem você lembrar quem você era e como você se sentia quando estava totalmente apaixonada por aquele cara na Itália.

É quando você escreve um livro sobre maternidade e manda em primeira mão para o pai dos seus filhos, porque ninguém mais do que ele sabe como você ficava quando estava grávida, pois só ele viu seu estado de graça e, talvez, antes mesmo de você, ele viu você virar mãe.

Lá estão vocês, no weCloud, sócios de experiências transformadoras, parceiros de sonhos, realizados ou não, amigos que cresceram juntos, cúmplices dos pequenos crimes contra o amor, vítimas dos mesmos desgastes da convivência, ungidos por bênçãos comuns, coautores e personagens do mesmo livro.

Maria não é mais a mesma que foi com João, mas, para ser a Maria que está com Pedro, ela teve que ser a Maria do João, e João, para ser o companheiro de Ana, teve que ser antes o de Maria. Somos o que nascemos e o que escolhemos viver, somos o que ganhamos, o que perdemos, o que boicotamos e o que nunca alcançamos.

É muito libertador fazer as pazes com nossa história. Do que nos serve ter rombos na linha do tempo? Negar, bloquear, tornar inacessíveis as lembranças, impossibilitar um resgate saudável do vivido? Do que nos serve chamar ex-companheiros de falecidos ou equívocos? É injusto conosco. É empobrecedor. Temos essa mania de achar que só o que dura para sempre é um sucesso. Durabilidade nunca foi sinônimo de segurança, assim como o efêmero não é sinônimo de fracasso. Uma jaula é segura e nem por isso um lugar feliz, da mesma forma que viagens são fugacidades maravilhosas que se perpetuam dentro de nós. Nenhuma história é vã. Nada é. Nossa alma-memória, aquela que nos identifica, define e referencia, é como uma colcha de retalhos; alguns retalhos são mais bonitos que outros, mas todos são necessários.

Amar o perdido deixa confundido o coração (Drummond) porque é amar o intangível, o que, não sendo mais, ainda resiste, insiste e ressignifica o que antes tinha outro nome e valor. Amar o perdido é reconhecer que muito tempo, energia e as melhores intenções foram investidas, empenhadas e depositadas numa relação, num incrível voto de confiança no outro e na Vida. Sim, mesmo os grandes erros e as falências retumbantes têm histórias comoventes e belas. Amar o perdido é entender que nada se perde.

Amar o perdido só é possível quando você volta para a casa dentro de você. Melhor que dar a volta por cima, é voltar para si mesma. Nessa hora você se sabe inteira, apaziguada, de bem com sua história. Aí, você entende o weCloud e lembra de Quintana dizendo: eternas são as nuvens, e você se comove com a certeza de que um certo para sempre existirá, pois as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão (CDA).

É isso, não fica o que é lindo. Fica o que finda. Fica de um jeito real. Não fica lindo só porque finda. Fica, porque finda, e, quando finda, fica o que foi de verdade, o que nunca finda.
As coisas findas ficam. Perdidas, talvez, mas para sempre nossas. Eternas, como só as nuvens podem ser.


Pedro Bial.