05 novembro, 2011

Esvaziamos?




"Eu sou assim meio... sem escrúpulos, mesmo", diz o pitéu siliconado à sua frente no bar. Entre goles de vodca com suco de laranja, ela conclui isso depois contar um patife episódio que envolveu falar no celular com o namorado enquanto um acionado ex descansava no travesseiro ao lado. 


"Escrup... o quê?", você sorri, se solidarizando.

A admissão do escrúpulo zero da moça muito mais comove que espanta. A maioria das pessoas não tem coragem de ouvir palavras assim saindo do próprio gogó.

Ou tem?

Outros bares, outras mulheres – quase sempre siliconadas. "É difícil eu me apegar a alguém", "Você sabe, sempre fui mais fria", "Não me vejo mais namorando" etc. Aos poucos, a polifonia das declarações compõe uma intrigante melodia. Não viveríamos a verdadeira era do gelo, o "amor nos tempos do messenger, espécie miojo sentimental, emoções baratas", como escreveu o ídolo da Naipe Xico Sá?

Talvez. Mas é sempre bom evitar exageros.

"Você poderia ser pior?"
Fraca a carne sempre foi. Frias e desapegadas muitas pessoas (ou todas, em algum sentido) também sempre foram. O que talvez seja mais ou menos novo seja a falta de estímulo para remar contra isso  em nome não de caretice ou moral nenhuma, mas de um benefício que ignoramos cada vez mais. Lembram que Gabriel García Marquéz chamou a galinhagem de "a forma mais árida de solidão", e Vinícius de Moraes, o amor de "a verdadeira malandragem"?

Aos oito meses de namoro você pode acordar um pouco enjoado da pessoa ao lado. A partir disso, a tendência agora é já terminar ou avacalhar o relacionamento. Perdemos aí a chance de, passados mais vários meses, uma outra manhã nos darmos conta do quanto aquela pessoa melhorou nossa vida; o quanto felizmente compartilha cada vez mais coisas conosco; o quanto nos deixa à vontade e, estando acima de todas as outras, tirou nosso cotidiano do chão.

Ao ouvir qualquer coisa ligada a sossego e namoro, tem gente que acha que você está de sacanagem. Sendo a bagunça toda tão boa, tão divertida a aleatoriedade toda, por que se deveria namorar, mesmo?

As boas intenções são as piores. Saia para jantar bem intencionado com uma mulher e talvez você leia nos olhos de muitas delas o pedido: "Você poderia ser um pouco pior comigo?"

Reencontrando algumas mulheres que não via há anos  o pitéu siliconado do primeiro parágrafo inclusive  lembrei do processo de pausterização do leite. Os namoros que elas tiveram entre os 16 e os 20 e tantos, justamente por terem sido bons, elevaram suas expectativas amorosas. Como mesmo os melhores namoros acabam, a temperatura baixou bruscamente e matou tudo que elas esperavam de alguém.

Disso tudo, sobra o miojo sentimental, que também não é esse apocalipse todo. Na galinhagem e individualidade, me parece, todo mundo mais ou menos se merece e entende.


Por Thiago Momm

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