22 julho, 2012

A mão e a luva.



- Se não sabe o que sou, - continuou Guiomar, - eu mesma o direi, para que se não case comigo assim de emboscada, e não lhe aconteça unir-se a um demônio, supondo que é um anjo.
- Um demônio! exclamou Luís Alves rindo.
- Nem mais nem menos, retrucou ela rindo também. Saiba pois que sou muito senhora da minha vontade, mas pouco amiga de a exprimir; quero que me adivinhem e obedeçam; sou também um pouco altiva, às vezes caprichosa, e por cima de tudo isto tenho um coração exigente. Veja se é possível encontrar tanto defeito junto.
Luís Alves respondeu que eram tudo qualidades excelentes, e esteve quase a dizer que lhe faltava mencionar ainda outra, que era a fundamental de todas; preferiu aludir a ela depois do casamento.
(...)
O destino não devia mentir nem mentiu à ambição de Luís Alves. Guiomar acertara; era aquele o homem forte. Um mês depois de casados, como eles estivessem a conversar do que conversam os recém-casados, que é de si mesmos, e a relembrar a curta campanha do namoro, Guiomar confessou ao marido que naquela ocasião lhe conhecera todo o poder da sua vontade.
- Vi que você era homem resoluto, disse a moça a Luís Alves, que, assentado, a escutava.
- Resoluto e ambicioso, ampliou Luís Alves sorrindo; você deve ter percebido que
sou uma e outra coisa.
- A ambição não é defeito.
- Pelo contrario, é virtude; eu sinto que a tenho, e que hei de fazê-la vingar. Não
me fio só na mocidade e na força moral; fio-me também em você, que há de ser para mim uma força nova.
- Oh! sim! exclamou Guiomar.
E com um modo gracioso continuou:
- Mas que me dá você em paga? um lugar na câmara? uma pasta de ministro?
- O lustre do meu nome, respondeu ele.
Guiomar, que estava de pé defronte dele, com as mãos presas nas suas, deixou-se cair lentamente sobre os joelhos do marido, e as duas ambições trocaram o ósculo fraternal. Ajustavam-se ambas, como se aquela luva tivesse sido feita para aquela mão.

Machado de Assim em: A mão e a luva.

Um comentário:

  1. A história desse livro é simplesmente demais.
    Machado de Assis sempre nos surpreendendo com mais um livro impecável. História bem típica do Romantismo mesmo.

    Beijos!
    http://perolairregulaar.blogspot.com.br/

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